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12/12/2010

Amar (também) é...



"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis." Fernando Pessoa


... tomar banho ao luar, mordiscar a vida dos outros com chocolate, cuspir o caroço da eternidade com sabedoria e pendurar as botas atrás da porta. E partir com a frescura da brisa da manhã. Aqui e de vez em quando. Com a alma lavada, um olhar comprometido na cadência do horizonte e um sorriso aberto anexado ao peito. Respirar porque é preciso. Respirar fundo em essência exalada por inteiro e respirar mais dentro, que em nós vive a poesia e as cerejas. É devolver semente ao capricho da natureza infértil e surpreender a vida com um chocho. Aqui. E de vez em quando... acalentado pelos trilhos misteriosos das flores que testemunham o pôr-do-sol e nos fazem cócegas desde os pés ao riso ora-ora: ora desbragado, ora achocolatado e ora a alma da criança que se diverte – sempre a dos outros e a qual nunca deixámos de ser. Com frescura e sabedoria. Limpamos cantos à boca e rasto à esquina da existência e declamamos alvorada sem solenidade. Respiramo-nos fundo e amarelamos o horizonte com um sorriso. De vez em quando a brisa empurra-nos a porta com aroma concentrado de chocolate e amizade adstringente. Aqui amamos e arejamos o anexo. E partimos. Sem nunca mordiscar a última fatia.

03/12/2010

Momento


           «Há uma Primavera em cada vida:

           É preciso cantá-la assim florida,
           Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!»

           Florbela Espanca, in Amar




Enya é corpo quente na desgarrada do amor. Quentes as voltas inteiras, os versos apunhalados e as rimas choradas a rir – voltas estranhas até ser inteiro o verso entranhado por rimas de amor. Enya. Corpo quente em aroma de rosas secas. Viaja nele, clandestinamente e sem disfarce. Sid inspira-a e exala de si ventos impulsivos, intensos. Poema rasgado no penúltimo verso. Punhal. Enya é corpo e a sua alma perfume. Sem rima nem pesar. Voltas estranhas, apenas. Desgarrada do amor, a roseira que lhe consome entranhas e tempestade em arte plagiada. Enya é riso e Sid pétala sem direitos de autor – versos inteiros em desafio condenado. Punhal: carnal, aromatizado e poético. Respiração.

30/12/2008

Coração em prato quente

Não me encontro com ninguém

tenho fases como a lua.
No dia de alguém ser meu,
não é dia de eu ser sua.
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles, in Lua adversa




Refeição pontual com uma carinha de caso: despretensiosa à partida, mas astuta na sua finalidade. O enésimo gracejo da noite é recepcionado em indeferido, numa grata interpelação promovida pela serventia da casa.


Expressão contraída, guardanapo estatelado e atenção que desvio... para iguaria mais convidativa. A etiqueta e o cavalheirismo presenteiam-me prioridade degustativa.
Demoro o olhar, rectifico a perfeição do cenário e sorrio à ironia da figuração.


O pano é restituído à nódoa. Fome e desejo fundem-se em expectativa alimentada, por uma boca só. Há trágico-comédia na mesa dos comensais, sussurrada com requintes de malvadez e atrevimento.


– Dou-te uma quando regressar, queres assim? Até já...


Do outro lado da rua, mulher que não se roga à adversidade alheia do seu género.
À hora marcada, a gargalhada previamente prometida ao telefone. E depois outra.
Finalmente, um brinde a refinado e distinto sabor. À amizade.

19/12/2008

Beijo das sete rosas


Beija-mas bem!… Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!…


Florbela Espanca, in
Amiga



Pétalas que desnudam a memória da mulher casada, ressuscitando o seu primeiro beijo. Fluidos quentes e aromáticos, partilhados sob a cumplicidade do olhar. A celebração entre dois corpos unidos pelo testemunho da amizade, que o encerra.

Só o desejo permanece real, no seu regaço. Ténue, mas indelével e aprazível na sua fragilidade. Como um raio de sol que despontara naquela manhã. Como o bouquet festivo acolhido, cujo odor a embriagaria nessa tarde sem reserva.

Sete rosas... O ritual de finos lábios colados nos seus, num desalentado e insípido cumprimento. O dedilhar frenético que a natureza feminina impulsiona e a florescência matrimonial assumida sem prenúncio nem declaração sentenciosa.

Volúpia abraçada, desejo saciado. Pétalas que cobrem a nudez e um beijo que finda, sem nada selar suspenso e aveludado, como rosas no regaço. Sete rosas desfolhadas pela amizade e pelo ensejo perfumado... dos amantes.

03/12/2008

Chuva certamente

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Augusto Gil, in Balada da Neve



Chuva cai lá fora, silenciosa e penetrante. Constante desalinho para sonhos premeditados.
Ergo o corpo sobre o leito. Acendo a luz e cerro os olhos. Irreflexão condescendente.

No vazio o bafo partilhado sob um chapéu de chuva para dois ou para seis.
Pequenos géisers coloridos accionados ao compasso desordenado das galochas.
Vento que sopra, vozes que embala. Cores diluídas na água. Chapéu que voa.

Entre corpo e mente, o leite que refreia calendários e recolhe tempestades.
Na janela um sorriso tão sucedâneo quanto a colherada do chocolate prometido.
Cacau quente, chamava-lhe com todos os preceitos e linguajar adocicado.
Depois ria, muito, limpando todo o resquício alojado nos cantos da sua alma.

Cinco e meia da manhã. A ironia do despertar adiado pela precisão do ponteiro.
Duas horas mais cogito no desvanecer da luz natural que ladeia a sonolência.
Chuva que finda, convicção que amanhece... Que se danem os sonhos. Durmo.