11/06/2010

O amor é um pão



"O melhor tempero da comida é a fome."
Cícero



Maria abre a porta ao mundo. Zéi arrasta o seu passo inseguro. Maria serve-lhe um copo a transbordar de vontade. Zéi dá-se em corpo. Maria negoceia a alma. Zéi não tem vintém. E a casa não vende fiado... Maria fecha a porta. Zéi arrasta o seu passo inseguro pelo mundo.

Maria hipoteca os seus interesses e grita ao Zéi: “Há dias que começam com sacos rotos. Nem uma só trinca matinal na carcaça. E não lhes julgues descoroçoamento, que a míngua não se compadece com o cacete da vizinha – há quem não desfaleça com o papo-seco. Tão promissoras tostas reduzidas a pão ralado, para me despedaçar, com a frescura de uma baguette, num pão amanhecido. Broa sou para o teu dente!”.

Zéi fermenta no pregão da Maria, tropeça no copo, rasga a hipoteca e mostra-lhe de que massa é feito. Maria declara falência... Zéi negoceia com ela o mundo. Maria arrasta-se em insegurança. Zéi serve-lhe do seu grito: “Há quem coma carcaças, cacetes, tostas, broas, papo-secos e baguettes e há quem coma pão. O pão que a Maria amassou – duro de roer, mas revigorante como ela só!”

Zéi e Maria amanhecem em cheiro de pão quente.
E uma vizinha abre a porta ao mundo...

5 comentários:

I disse...

Adorei o campo semantico! Acho que é o meu preferido até hoje! :-)

lynce disse...

O meu aplauso incondicional para ti. Tens uma sensibilidade e uma percepção das coisas que superam todas as expectativas. Este texto é magnífico.

Sofia disse...

Este texto parece o bater da massa, que vai sendo posto na nossa cabeça a descansar e fermentar antes de ir ao forno! Que peculiar, fantastico pela originalidade e pelo ritmo.

S* disse...

As ruas metáforas são lindas...

Blogadinha disse...

Caríssimos!
Quanta simpatia num "pãozinho sem sal"... Apanharam-me de surpresa na preferência, mas obrigado pelo registo. :))