À porta fechada

Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo.
Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação.
Não uso o coração.

Fernando Pessoa, in Isto

O momento que se segue não te oferece guião, nem intérpretes ou película. Tem apenas uma porta que terás de trespassar se quiseres entrar, partir ou recomeçar. Para lá da imaginação, uma mulher só, mas não solitária. Uma mulher que se despede de si própria, despojando o seu mundo nos lençóis do inimigo.

Voluntária assumida em negligência espiritual, trata o desejo com sedução e travessura:

– O que vês é o que tens e o que eu tenho ainda não vi...

Sob sedas bordadas e linhos rendados, tentação que derrete suavemente nas suas mãos, cruzando letras trocadas que se passeiam à sua sorte pela mente. Afaga o rival contra o peito e beija-o com sofreguidão, libertando-se do invólucro que os separa. A devassa escorrega na factura e assim o prazer de tê-lo na sua boca: íntimo, voluptuoso e agridoce.

O momento que se segue não te oferece guião, nem intérpretes ou película. Tem apenas uma mulher que acaba de comer um chocolate, enquanto lê um livro. Para lá deste, uma porta que terás de trespassar se quiseres entrar, partir ou recomeçar. E a tua imaginação.