22/10/2010

Simplesmente Maria



Há sempre cinco velhotes sentados naquele banco do jardim.

Quatro. São quatro os velhotes que lá se sentam diariamente.

Tive um sonho húmido. Despertei nele e no sobressalto o grito à vizinha dum qualquer andar cimeiro: “não podia regar o vaso noutra hora?!” Sim, a minha vizinha rega vazos vazios e plantas imaginárias – gosta do cheiro a terra molhada. Dizem-na simplesmente Maria, que da cerimónia a vizinha não assina trato nem costura. Já vestiu sonhos por demais e na mesma medida os homens que despiu na sua cama e as tendências da moda que chorou sexualmente não poder usufruir. Certa madrugada engatou corpo em forte odor a terra molhada. Maria rompeu costuras em pranto. O amante do dia roubara-lhe jóia vital. Magnólias. Maria crava as garras no coração e afixa os estilhaços pelas ruas fora com setas de azedume e alvíssaras. Três dias e quatro noites depois (precisão da vizinha do lado), Maria ainda faz amor com o coleccionador que há três dias e quatro noites lhe bateu à porta e lhe devolveu coração remendado. Sem cerimónia, a dita. Assumida em promessa de amor e de respeito terrenos, que a fidelidade é implícita e a ménage apadrinhada e testemunhada sobre a colcha de lã da avó da Maria, um mês depois. Vizinha minha... tive um sonho húmido. Vários. Rouca e molhada, bato com a porta e saio para negociar gripe com o florista. No regresso, três velhotes simpáticos acenam-me do jardim. Simplesmente. Maria. Nua na fragrância e crua na assinatura: culpa intervenção divina ao luar e sonha plantar o padre num vaso. Entreguei-lhe um pacote de sementes em mão. Tão solteira quanto a culpa soterrada, a raíz semeada e feita crença florida e individual. Magnólias, um dia. E cinco ou seis velhos sentados no banco do jardim.

8 comentários:

Sofia disse...

Semear ventos, colher tempestades. As tempestades sabem a vida a quem já não consegue sentir, por falta de estimulos reais. Os ciclones são brisas, a chuva afinal era dilúvio... Ai, semear ventos, regar vasos... ai felicidade espremida, esganada...

I disse...

Fiquei com uma sensação bem triste depois de ler este teu texto. Magnólias, sonhos vestidos e despidos, os velhos no jardim...história de quem procura e nunca encontra? conto da vida que passa? relato das vidas que também vamos vivendo do outro lado da parede?

DE-PROPOSITO disse...

Magnólias
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Magnólias!... Flores delicadas.
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Felicidades.
Manuel

Antonio José Rodrigues disse...

O tempo, Blogadinha, voa, pois o presente se passa tão rápido e o futuro a gente vê tão distante... Assim, vivemos regando vasos vazios e plantas imaginárias no jardim do tempo. Beijos

Blogadinha disse...

Caríssimos!!!
Delicadeza tão matinal quanto o leite: gostarmo-nos primeiro para que os outros nos gostem. Ou independentemente disso. Pétalas de auto-estima, amor-próprio... magnólias! Elemento numérico conforme à visão individual.

DA LEITURA ENCRIPTADA
A realidade é título e a virtualidade perfil. Não stressem em interpretações ambivalentes - o amor não é a minha doença. :))

Obrigado pelos vossos comentários.

M disse...

Adoro magnólias e adoro os teus textos:)
bj

CarMG disse...

Adoro este teu imaginário que me lembra (o que penso ser) o quente sul americano! Apesar de, não haver nada mais Português do que "..velhotes sentados em bancos no banco do jardim".

Continua a regar a tua imaginação desta maneira!

Blogadinha disse...

M
Adoro que adores... :p
Obrigado! Bjo

CarMG
Tragédia grega, querelas familiares italianas, dramalhões irreais exageradamente interpretados... Sento-me no banco - e aposto que estou em Portugal. Obrigado! :)